Tem ferida no pé? Corta o pé. A lógica de Navegantes. 5t381t

“Meu pai não era ecológico, essa condição não era moda no seu tempo, mas respeitava a natureza e deixou nos seus terrenos ampla faixa no limite com o mar, que permitiu a manutenção das dunas e a larga avenida Beira-Mar”. Assim depõe o conhecido médico blumenauense Humberto Rebello Narciso, no livro Egídio Narciso, presença que não se apaga, publicado em memória do pai, no ano de 2011.

Num tempo em que não havia Planos Diretores municipais e bem antes da atual confusão de Planos Diretores com Planos-de-diretores-de-negócios-imobiliários, Egídio Narciso (1911–2000), próspero comerciante e pioneiro corretor de imóveis de Itajaí (Creci nº 02/SC), sonhou com um futuro para a Praia de Navegantes, antes mesmo de Navegantes se tornar município autônomo, desmembrado de Itajaí, em 1962.

Navegantes era uma praia distante, quase inível, quando Egídio Narciso, aos poucos, foi adquirindo enormes extensões de terras baratas. Chegou a possuir sete quilômetros de terrenos de frente para o mar e se entristeceu quando viu que, em Gravatá, acontecia o contrário do que planejou para o resto da praia.

Num processo de ocupação sem planejamento, que prejudicou tantas outras praias, também na vizinha Gravatá não sobrou espaço sequer para uma ampla avenida de frente para o mar, que dirá espaço para a restinga, importante proteção das praias diante dos humores das marés, ainda mais numa praia aberta como é o caso de Navegantes.

O resultado é este que todos conhecem: na Gravatá do desrespeito ao espaço do mar, não sobra mais praia alguma nas altas da maré, e o mar só não comeu a própria avenida que o beira porque ali foi feito um esteticamente horroroso, mas salvador, enrocamento. Se, em todo o restante da praia de Navegantes, ao contrário do que acontece na contígua Gravatá, a avenida permanece sem ameaças, até pelo respeito que o mar tem pela área que lhe pertenceu, como diz Humberto Narciso, devemos isso à restinga de Navegantes — e a existência dessa restinga devemos à visão pioneira e de futuro do cidadão Egídio Narciso.

Pois bem, Navegantes tornou-se município, a BR-470 e outros os tiraram a extensa praia do antigo isolamento, e hoje a ocupação desse trecho do nosso sofrido litoral segue de vento em popa, de forma diferenciada, quase única, quando comparada com o triste e nada criativo destino da maioria das demais praias catarinenses, violentadas por uma verdadeira muralha de edifícios que quase avançam sobre o mar.

A restinga e os prédios mais afastados, sem fazer sombra na praia, fazem de Navegantes uma praia singular — e isso deve ser mantido e defendido. Enquanto muitos milhões de reais serão gastos para a recuperação da praia contígua de Gravatá, na praia central de Navegantes esse serviço é fornecido de graça pela restinga preservada ali existente.

Depois de um período sem controle, finalmente, nos últimos 30 anos, aproximadamente, a restinga de Gravatá recebeu arelas de o e a vegetação, devidamente protegida, ou a se desenvolver plenamente. Este autor tem acompanhado de perto, ano a ano, este processo, pois, depois de veranear em muitas outras praias, foi na praia de Navegantes que temos veraneado na maioria dos últimos 35 anos.

Acontece que essa mesma importante vegetação de restinga mais desenvolvida, com trechos em que a vegetação chega a alguns metros de altura, vem sendo “acusada” de servir de esconderijo para pessoas de má índole, que podem assediar, incomodar e mesmo cometer crimes contra os usuários desse o para o mar. O problema é sério e real.

No entanto, qual foi a proposta da Prefeitura de Navegantes para resolver o problema? Podar a restinga, caras e preclaras leitoras e leitores! Isso mesmo, podar as árvores da restinga, reduzir drasticamente sua altura, o que implicará, na maioria dos casos, decepar por completo a copa de milhares de arvoretas da restinga — e essas arvoretas que se danem. Se não morrerem, que voltem a crescer como puderem!

Uma solução típica da obscura Idade Média, que durou mil longos e sofridos anos — tempo da caça às bruxas que, entre outras vítimas, matou milhares de mulheres inocentes queimadas vivas em fogueiras, em atos públicos, acusadas de bruxaria. A vítima do século XXI, com a mentalidade medieval de Navegantes, é a vegetação da restinga — aliás, como todos sabem, protegida por lei maior.

O sujeito tem uma ferida no pé? Corta o pé! Deu catarata no olho? Arranca o olho! Tem estuprador se escondendo na restinga? Estupremos a restinga, simples assim. Por mais grotesca que possa parecer tal comparação, o fato é que essa é a atual lógica ambiental da Prefeitura de Navegantes que, infelizmente, reproduz a lógica que está destruindo o nosso planeta. Se essa mesma lógica da restinga for seguida na área da saúde, cuidado, cara e preclara leitora ou leitor: fuja para bem longe do serviço de saúde local, se você tiver uma ferida no pé. Ou catarata no olho.

Vista aérea da região da foz do rio Itajaí, em 1980, com vistas parciais para Itajaí, na margem direita, e Navegantes, na margem esquerda. Em primeiro plano, atravessando quase toda a foto, temos o rio Itajaí-Açu. A partir da confluência com o rio Itajaí-Mirim, visível no centro-direita da foto, até chegar ao mar, ele a a se chamar simplesmente de rio Itajaí, apenas por sete quilômetros. As águas artificialmente barrentas, fruto da erosão causada pelas inconsequentes atividades humanas em todo o vale, avançam por dezenas de quilômetros mar adentro, alterando o ecossistema estuarino. A pista do aeroporto, inaugurada em 1970, ainda era uma faixa isolada em meio a muito verde, que começava a sumir com o avanço dos loteamentos. Na época, o o do aeroporto até a pista simples da BR-101 se fazia por uma precária e sinuosa estrada de terra. Saía-se da era do jato para entrar na era da carroça, como dizia o empresário Ingo Zadrozny (?–2011). Mais de oitenta por cento do verde que aparece no lado de Navegantes não existe mais. Os 45 anos que se aram depois dessa foto parecem muito, na escala de tempo humano. No entanto, para quem conhece o tempo geológico, transformações como essas, em tão ínfimo tempo, que se repetem planeta afora, podem ser consideradas hecatômbicas, não muito diferentes das consequências de um choque de um grande meteoro no planeta. Foto aérea de Lauro Eduardo Bacca, em 01/11/1980.

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