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Toca da Onça: da possível última onça-pintada de Blumenau aos ataques recentes no Brasil 4ma39

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Onça, os gatos que não gostam de humanos, o trânsito e os homicídios. 4s1e6d

“Estava indo de minha casa na Toca Grande para visitar o cunhado em Caminho Papanduva. De repente, dei de cara com aquele bicho enorme me encarando, bem diante dos meus olhos. Gritei, rapidamente enrolei o paletó no braço esquerdo, em posição de defesa na frente do meu corpo, facão na mão direita erguida, pronto para o ataque, enquanto ele me encarava, cara a cara, meio agachado, como que pronto para saltar para cima de mim. Alguns segundos que pareciam ter durado um tempão. De repente, em dois ou três saltos, o bicho sumiu da minha frente e desapareceu no mato.”

Relatos como esse, contado pelo tio Evaldo “Vale” Bacca (1906-2003), povoaram a fascinada mente da minha infância e juventude. Toca Grande era uma localidade, ainda hoje distante, do município de Rio do Oeste, e Caminho Papanduva uma localidade próxima, porém já no município de Dona Emma. Tio Vale testemunhou, por volta de 1936, o início do fim da onça-pintada, uma imponente espécie que reinava soberana também em toda Santa Catarina e no Vale do Itajaí, mas cuja presença sempre assustava e causava pânico entre os colonizadores.

Em Blumenau, em agosto de 1955, um exemplar da espécie foi morto no lugar que até hoje é conhecido como Toca da Onça, início do bairro Nova Esperança, a menos de quatro quilômetros do Centro da cidade. Nas fraldas do Noroeste do Morro Spítzkopf, em Alto Encano, no município de Indaial, na região que faz limite com Blumenau, também no mês de agosto, só que de 1981, o tiro de misericórdia na espécie no Vale do Itajaí abateu a última onça ou jaguar de nossa região. Isso foi me contado pelo próprio executor do bicho, J. C., um conhecido caçador que, todos os invernos, se instalava no seu sítio, no caminho do Garcia para Alto Encano, já em águas do ribeirão batizado, nada menos, com o nome de Espingarda, só para caçar.

Como desolado testemunho deste fato, restou o crânio furado a bala desta onça, para quem quiser ver, na Exposição de História Natural da Furb, em Blumenau. No furo de bala daquele crânio, o vazio da ausência da espécie em nossa região.

A onça-pintada, ou jaguar, na denominação indígena, voltou ao noticiário nacional no mês de abril deste ano de 2025, por ter atacado e morto o caseiro Jorge Ávalos, no Pantanal de Mato Grosso do Sul, um dos lugares onde a espécie, felizmente, ainda sobrevive. O fato foi notícia de destaque na imprensa, além, obviamente, de viralizar na internet. Sua prima sussuarana, mais conhecida pelo nome de puma, causou sérios ferimentos em outro cidadão, na localidade de Maquiné, no Nordeste gaúcho, no último dia 4 deste mês de maio de 2025.

O ser humano é um bicho estranho. Entra em pânico quando sabe que uma onça ou puma ronda os arredores, mas não se assusta tanto, aparentemente, com a presença do invisível potencial assassino que pode estar ali, ao lado dele, fazendo parte dos que cometem 110 homicídios POR DIA (desculpe o grito, caro e preclaro leitor) no Brasil. Morre de medo da onça ou do puma, que causa menos de uma morte por ano, enquanto a violência do trânsito em que ele está inserido mata outras 93 pessoas por dia, neste trágico país. Trânsito que mata, também, onças e pumas, entre muitos milhares de outros animais.

Em resumo: onças ou pumas mal matam um único ser humano anualmente no Brasil. Já os acidentes de trânsito matam 34 mil, e homicídios, 40 mil. Juntos, trânsito e homicídios matam 74 mil pessoas. Fazem sumir do nosso convívio o equivalente à população inteira de municípios catarinenses como Gaspar, Indaial ou Rio do Sul, todo santo ano. Ou o equivalente ao maior acidente aéreo da história do Brasil, a queda do avião da TAM no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, em 2007, a cada santo dia.

Carnificina que se tornou rotina não é notícia. E nem motivo de decretação de luto nacional, muito menos estadual ou municipal.

Onças e pumas são gatos que não gostam de humanos. Estamos fora de seu cardápio, felizmente. Mesmo assim, existem cuidados preventivos para diminuir ainda mais um eventual acidente desses. Isso, compreensivelmente, não consola os familiares dos raríssimos que foram mortos por esses bichos. Por outro lado, não justifica a perseguição e morte desses raros felinos que nos atacam, quando há soluções mais inteligentes para esse problema, como foi a captura da onça que matou o infeliz Sr. Jorge Ávalos.

Quanto às outras mortes evitáveis, de vez em quando governos decretam luto nacional quando um acidente terrestre ou aéreo mata um grupo menor ou centenas de pessoas. No entanto, enquanto vigorar a carnificina que ceifa mais de 200 vidas por dia no Brasil, deveria vigorar também um decreto de luto perpétuo, sem data para encerrar, e nenhuma bandeira deveria, jamais, sair de meio pau, enquanto perdurar essa tão inaceitável quanto estúpida situação.

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Reprodução

Imagem da que talvez tenha sido a última onça-pintada de Blumenau, abatida por populares no lugar que ficou conhecido como Toca da Onça, início do atual bairro de Nova Esperança, em agosto de 1955. Foto: jornal A Nação no dia 21/08/1955.